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24 de agosto de 2011

carta de Santo Inácio de Antioquia aos Romanos



Inácio, também chamado Teóforo, à Igreja, que recebeu misericórdia pela magnanimidade do Pai altíssimo e de Jesus Cristo, seu Filho unigênito; à Igreja amada e iluminada pela vontade daquele que quis tudo o que existe, na caridade de Jesus Cristo, nosso Deus; à Igreja que preside, na região dos romanos, digna de Deus, venerável, bem-aventurada, louvável, digna de triunfo; a essa Igreja pura que preside à caridade, na observância da lei de Cristo e no nome do Pai, - saúde, em nome de Jesus Cristo, Filho do Pai. Os que aderem pela carne e pelo espírito a todo mandamento do Senhor, a vós que vos tornastes definitivamente repletos com a graça de Deus e purificados de todo elemento estranho, desejo uma alegria abundante e santa em Jesus Cristo nosso Deus.
                Tenho rogado a Deus, alcancei a graça de ver vossas santas faces. E recebi mesmo mais do que pedira, pois é acorrentado no Cristo que espero saudar-vos, se estiver na vontade divina que mereça chegar ao fim. O começo está bem orientado; possa eu obter a graça de entrar sem impedimento na posse de minha herança.
                Temo porém que a vossa caridade me seja prejudicial! Pois, se para vós é facil fazer o que quiserdes (interceder ou não por mim), para mim é difícil chegar a Deus, se não tiverdes compaixão de mim.
                Na verdade, não vos quero ver agradando aos homens, mas a Deus, como de fato agradais. De minha parte nunca mais terei oportunidade como esta para chegar a Deus; nem vós tendes obra melhor a cumprir que silenciar. Pois, silenciando a meu respeito, serei uma palavra de Deus; amando porém demais a minha carne, ao contrário, serei apenas uma voz qualquer. Nada melhor podeis fazer por mim senão deixar que eu seja sacrificado a Deus, enquanto está preparado o altar do sacrifício. Então, reunidos num só coro na caridade, cantareis ao Pai, em Jesus Cristo, por ter julgado o bispo da Síria digno de ser enviado do Oriente para o Ocidente. É belo, com efeito, vir do ocaso do mundo até o seio de Deus e ter nele o meu elvante.
                Nunca invejastes a ninguém; instruístes, ao contrário, os outros. O que quero é justamente a prática do que haveis ensinado. Pedi para mim apenas a força interior e exterior, para que não só diga mas queira ser cristão, não só o seja chamado, mas de fato o seja. Pois se me mostrar realmente cristão merecerei também assim ser chamado, e quando tiver desaparecido do mundo, então a minha fé aparecerá com maior brilho. Nenhuma ostentação é boa. O próprio Jesus Cristo, nosso Deus, mais se manifesta enquanto está oculto no Pai. O Cristianismo não é obra de persuasão, mas é grande justamente quando odiado pelo mundo.
                Escrevo a todas as Igrejas e informo a todas que morro livremente por Deus, se contudo não me impedires disso. Rogo-vos; não tenhais para comigo uma benevolência inoportuna! Deixai-me ser pasto das feras, pelas quais chegarei a Deus. Sou o trigo de Deus, moído pelos dentes das feras para tornar-me o pão puro de Cristo. Acariciarei, antes, as feras, para que venham a ser o meu túmulo e nada rejeitem do meu corpo. Assim, depois de morto não serei pesado a ninguém... Então, quando o mundo não puder mais ver meu corpo, serei verdadeiramente discípulo de Cristo. Rogai a Cristo para que, por esses dentes, me torne um sacrifício para Deus. Não vos dou ordens, como Pedro e Paulo: eles eram apóstolos, e eu um condenado; eles livres, eu até agora um escravo. Mas, se morrer, tornar-me-ei um liberto de Jesus Cristo e ressuscitarei nele inteiramente livre. Por enquanto, aprendo nos ferros a nada desejar.
                Da Síria a Roma, por terra e por mar, dia e noite, já venho lutando com as feras, pois estou acorrentado entre dez leopardos. Refiro-me à escolta que me conduz, que se mostra tanto pior quanto melhor é tratada. Contudo, nas suas injúrias eu muito aprendo, embora “não seja por isso que sou justificado.” (1Cor4, 4)
                Oxalá chegue eu às feras que me estão preparadas, oro para encontrá-las ávidas. Se for necessário, agradá-las-ei para que me devorem depressa e não façam como  diante de certos cristãos: atemorizados, não ousaram tocá-los. Se portanto não me quiserem espontaneamente, forçá-las-ei pela violência. Tende piedade de mim: conheço bem o que me é preferível. É agora que começo a ser verdadeiro discípulo. Que nenhuma coisa, visível ou invisível, me impeça de obter a posse de Jesus Cristo!
                Fogo, cruz, encontro com as feras, dilaceramentos, esquartejamentos , deslocamento de ossos, mutilações dos membros, trituração de todo o corpo, os mais perversos suplícios do diabo caiam sobre mim, contanto que alcance a posse de Jesus Cristo!

                Nada me valerão as delícias do mundo e os reinos desse século. Melhor é para mim morrer por Jesus Cristo do que reinar até as extremidades da terra. O que procuro é aquele que morreu e ressuscitou por nós. Este é o momento do meu nascimento! Por favor, irmãos, não me impeçais de viver, não queirais que eu morra! Não ofereçais ao mundo quem deseja ser de Deus, não o enganeis com a fascinação da matéria! Deixai-me receber a luz imaculada, porque só então serei realmente homem! Permiti-me que imite a paixão do meu Deus! Se alguém o possui em si mesmo, compreenda o que desejo e compadeça-se de mim, considerando o que me impulsiona.
                O príncipe deste mundo quer arrebatar-me e corromper os meus sentimentos em relação a Deus. Ninguém dos presentes queira ajudá-lo! Passai para o meu lado, isto é, para o lado de Deus! Não sejais dos que invocam a Jesus Cristo mas desejam o mundo! Não habite entre vós a inveja! Se uma vez entre vós eu vier a suplicar (a vossa intervenção para livrar-me da morte), não me escuteis; ouvi, antes, o que agora vos escrevo, pois é na plenitude da vida que exprimo meu desejo ardente de morrer. Minhas paixões foram crucificadas, não há em mim fogo para amar a matéria. Não há senão a “água viva” que murmura dentro de mim e me diz: “vem para o Pai”! Não me deleito com o alimento da corrupção, nem com as volúpias desta vida. Quero o “Pão de Deus”, que é a carne de Jesus Cristo, da raça de Davi, e a bebida de seu sangue, que é o amor incorruptível.
                Não quero mais viver segundo os homens; a  realização deste desejo, depende, contudo, de vossa vontade. Tende pois boa vontade, para que também sejais apoiados. Com poucas palavras, peço-vos: crede-me! Jesus Cristo, a boca que não mente, pela qual o Pai falou verdadeiramente, mostrar-vos-à que digo a verdade. Rogai para que eu vá até o fim. Não vos escrevo segundo a carne, mas segundo o Espírito de Deus; se morrer, será por vossa benevolência, mas se for reprovado, será por causa da vossa oposição.
                Lembrai-vos, em vossas orações, da Igreja da Síria, que tem a Deus por pastor em meu lugar. Só Jesus será seu bispo e a vossa caridade. Envergonho-me de ser contado entre os seus membros, pois não sou digno disso, eu, o último de todos, um abortivo. Mas por misericórdia sou alguém, se chego até Deus. Saúda-vos o meu espírito e a caridade das Igrejas que me receberam, não como um simples viajante, mas em nome de Jesus Cristo. Pois até os que segundo a carne não se encontravam no meu roteiro, vieram de várias cidades ao meu encontro.
                Escrevo essa de Esmirna, por obséquio dos Efésios, dignos de serem bem-aventurados. Além de muitos outros, está comigo, Crocos, cujo nome me é tão caro. Quanto aos que me precederam, da Síria a Roma, para a glória de Deus, creio que já os conheceis; comunicai-lhes que estou perto. Todos eles são dignos de Deus e de vós; conviria que os confortásseis com toda a solicitude. Escrevi esta no nono dia antes das calendas de setembro. Coragem até o fim, na esperança de Jesus Cristo. Amém.

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